Ervas medicinais, remédios naturais, acessórios para carro e celulares, e até roupas íntimas femininas e masculinas. É grande a lista de itens vendidos na porta do Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF). Quem frequenta a maior unidade de saúde da capital se depara com uma intensa movimentação de ambulantes nos arredores do ambulatório localizado em frente à Rua das Farmácias. Livres da fiscalização, os vendedores têm transformado o espaço em uma verdadeira feira clandestina.
Escorados nas grades, os comerciantes exibem toda sorte de produtos. Há até mesmo quem use a cerca como cabideiro para expor. Outros, mais corajosos, se arriscam a preparar espetinhos e a servir pratos de comida mesmo a poucos metros da porta do ambulatório, ignorando a possibilidade de contaminação.
A prática descumpre o Decreto nº 39.769, de 11 de abril de 2019, que determina ao ambulante guardar uma distância de 100 metros de unidades hospitalares. De autoria do Governo do Distrito Federal (GDF), o texto regulamenta a atividade de comércio ou prestação de “serviços ambulantes” em vias, ônibus, metrô, estacionamentos e espaços públicos da capital.
Para o gerente da Vigilância Sanitária André Godoy, a manipulação de alimentos na porta do HBDF é uma situação classificada como grave. “Essa prática aumenta muito a chance de infecção hospitalar. Estamos falando de um ambiente controlado, onde até o alimento é regulado. Essa comida de fora acaba entrando com um visitante ou com um paciente que está saindo, e não se sabe qual a procedência”, explica.
Ainda de acordo com Godoy, a movimentação no local pode atrair animais transmissores de doenças. “A atividade próxima traz pombos e gatos atrás de restos de comida. Esses animais podem ir até a caixa-d’água e contaminar o reservatório ou até conseguem entrar no hospital. Eles também transmitem doenças e atraem outros vetores e pragas urbanas. Tudo isso torna o ambiente propício à multiplicação bacteriana”, completou o servidor.
Acessibilidade
Os problemas do comércio ilegal, no entanto, vão além do grave risco à saúde dos compradores e dos próprios vendedores. O intenso fluxo do hospital piora com a chegada dos ambulantes, que logo cedo já montam suas barracas na calçada da unidade, dificultando a entrada e saída dos usuários da rede.
Cadeirante aos 85 anos, Teresa Portela depende da assistência médica para tratar problemas de saúde. A idosa é frequentadora das alas de oncologia e neurologia da unidade e sente dificuldades para entrar no ambulatório. O filho da paciente, Dieliton Portela, 52, reclamou dos problemas da feira irregular.
“O espaço para passar já é pequeno e piora com as barracas. A gente entende que essas pessoas também precisam trabalhar e ajudam boa parte dos usuários, mas acho que falta mais atenção do lado de fora da unidade”, reclamou.
Portela também se mostra preocupado com o risco de contágio: “Um outro problema grave aqui é o forte mau cheiro de esgoto que aparece logo cedo, bem próximo ao pessoal da comida. Acho que os ambulantes deveriam ficar mais afastados. Não é preciso tirá-los daqui, mas seria uma boa alternativa até para evitar os riscos de contaminação”, pontuou.
Concorrência desleal
As reclamações não estão restritas aos usuários do hospital. À reportagem, comerciantes com autorização para vender alimentos em quiosques localizados a uma distância segura da unidade de saúde protestaram contra a concorrência desleal.
“A presença deles atrapalha demais. Os fiscais ficam no nosso pé para que a gente faça tudo direito, mas nunca apareceram para tirar esse pessoal de lá. Fora isso, eles ainda cobram um preço com que nós não conseguimos competir. A gente paga taxa, energia e salário de funcionário, enquanto eles estão lá de graça”, disse uma funcionária que não quis ser identificada.
A irritação da trabalhadora encontra coro entre os proprietários das barraquinhas legais. Segundo uma das donas de quiosque da região, o crescimento da feira irregular tem causado grandes impactos financeiros aos empresários. “As vendas não caíram, despencaram. Não há fiscalização. Neste ano, o DF Legal não apareceu sequer uma vez”, criticou.
No local há 40 anos, o lojista Miguel Artur de Lima, 48, por sua vez, defende a presença dos vendedores irregulares. “Todo mundo que está ali quer ganhar o pão. Acho melhor estarem trabalhando do que roubando. A gente sente o impacto financeiro no final do mês, mas eu sei o que é passar necessidade, entendo o lado deles.”
Fiscalização
Foi justamente a falta de fiscalização que levou Talita Marcela, 30, a instalar sua barraca improvisada com peças de roupa no espaço. “Eu sempre trabalhei com comércio, por necessidade. Estava desempregada e precisava me sustentar. Trabalhava na Rodoviária do Plano Piloto antes, mas tinha que ficar correndo do ‘rapa’. Aqui é mais tranquilo”, admitiu.
Procurada pela reportagem, a Secretaria de Estado de Proteção da Ordem Urbanística do Distrito Federal (DF Legal) não informou se realizou operações para retirada dos comerciantes ilegais. Ressaltou, contudo, ter cumprido ações educativas no Hospital de Base “para disciplinar e orientar acerca do uso dos espaços e da possibilidade de regularização junto às administrações regionais”.
De acordo com a pasta, 36 comerciantes foram flagrados vendendo irregularmente na área. Após ser acionada, a secretaria afirmou ter encaminhado uma equipe para orientar os vendedores sobre o impedimento legal e, caso necessário, poderá aplicar “outras medidas”.
Responsável pela administração da unidade, o Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do Distrito Federal (Iges-DF) defendeu que, apesar de não ser de responsabilidade do instituto o estacionamento público na área externa, “aciona regularmente a Secretaria DF Legal sobre o comércio ilegal nesses arredores”.
(Metrópoles)