Eu pensei muito antes de escrever aqui sobre a dificuldade das aulas online para o meu caçula porque, aparentemente, mãe nenhuma tem direito de se queixar, reclamar ou sofrer por qualquer motivo relacionado à maternidade. É preciso sempre agradecer, aceitar e ser uma boba alegre 100% do tempo, mesmo que, por dentro, haja sofrimento. Então, antes de escrever sobre o que estamos passando com as aulas online, sinto que preciso apresentar um atestado de eficiência materna para não ser acusada de preguiçosa, negligente ou omissa.
Eis o atestado da mãe que o patriarcado gosta: Sou uma mãe que sempre participou da vida escolar dos filhos. Assino a agenda todos os dias, frequento as reuniões, ajudo com as tarefas de casa, olho o estojo pra ver se tem material faltando e sei o que estão estudando. Não tenho problema nenhum em passar o tempo com meus filhos. Inclusive, deixei dois empregos pra ficar mais perto deles (um público, inclusive). Eu mesma cuido da alimentação deles, cozinho e garanto que tenham cinco cores no prato e que comam, pelo menos, quatro frutinhas por dia. Também levo ao parquinho, faço dormir e só durmo quando já estão dormindo.
Bom, passado o atestado de eficiência materna para que ninguém venha me acusar de “não querer ter trabalho”, quero dizer que as aulas online estão causando sofrimento aqui. Hoje eu acordei e havia 12 e-mails na caixa de entrada do meu caçula de 6 anos. Eu disse D.O.Z.E. O e-mail foi criado pela escola. Ontem eu havia zerado a caixa de entrada. Cada mensagem indicava uma tarefa diferente: assistir ao vídeo de Inglês, aula de Música às 14h, aula de Ed. Física às 17h, folha de Matemática para imprimir e fazer, folha de Português e mais outras atividades. Eu passo a tarde em função disso. Boto vídeo, explico, fico atenta aos horários das aulas. O resultado disso é que ele, tão pequeno ainda, não tem maturidade para assistir às aulas expositivas no computador. Ele acabou de sair da Educação Infantil! Manter uma criança assistindo aula na Internet é desumano. No início, ele ainda gostava dos encontros no Google Meet, mas agora fica triste, diz que está cansado, e eu entendo. É uma aula confusa: todas as crianças com microfone aberto falando ao mesmo tempo, barulhos da casa de cada um, Internet que cai. Dos vídeos gravados, ele já não gosta desde o início. Às vezes é a professora explicando um conteúdo e não aparece o rosto dela. Em uma das disciplinas, os vídeos são sofríveis por causa do som baixo. A professora diz que não tem equipamento compatível. Acredito e lamento. Ela não tem que ter mesmo.
Eu não sei até que ponto a gente vai poder bancar essa situação para que a escola não quebre, para que os salários não deixem de ser pagos. Será mesmo que a gente vai precisar fazer as crianças passarem por isso para que a escola não deixe de pagar seus professores? Eu acho um preço alto para crianças ainda pequenas. Quando escrevo sobre isso, vem alguém me dizer: mas e o salário dos professores? Ninguém pode ficar sem salário, sem emprego. Mas, é meu filho de 6 anos que vai ter que passar pela angústia de ter essas aulas incompatíveis com a maturidade dele?
É preciso repetir um milhão de vezes porque parece que não estão entendendo: ninguém está contra o professor. Ninguém quer que o professor perca o emprego. Sabemos que os professores estão seguindo ordens. Sabemos, também, que estão se esforçando e tendo mais trabalho que antes. Sabemos que alguns estão sob pressão. Sabemos que são tão vítimas quanto os alunos. Sabemos. Sabemos. Sabemos.
Mas, repito a pergunta: são as crianças que vão ter que pagar um preço tão alto para garantir que a escola continue recebendo as mensalidades e, assim, consiga manter os empregos dos professores?
Eu não gostaria que meu filho passasse a não gostar da escola. Para ele, a escola passou a ser essa chatice de mil vídeos gravados, folhinhas para imprimir e zero significado. Dei o “azar” de passar por isso com ele em seu primeiro ano no Ensino Fundamental. Se estivesse na Educação Infantil, já teria largado de mão. Mas, não me sinto capaz de tomar essa decisão no âmbito individual. Para mim, a decisão de suspender as aulas enquanto durar a pandemia deveria vir dos órgãos competentes.
Dany Santos é autora do blog Quartinho da Dany
(Portal Revista Bula)