Por Agência Brasília
A construção de Brasília tem uma face feminina que poucos conhecem. Em meio à terra avermelhada, ao lado de nomes como Lucio Costa, Juscelino Kubitschek e Oscar Niemeyer, mulheres de contextos culturais muito distintos participaram da criação da capital federal. Eram mães, esposas, caminhoneiras, professoras, cozinheiras – perfis contrastantes de pessoas que tinham a coragem como ponto em comum.
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Esse brio é conhecido de perto pela professora Tânia Fontenele. Doutora em História Cultural, Memórias e Identidades pelas universidades de Brasília (UnB) e de Montreal (Canadá), ela é autora do livro Poeira e Batom no Planalto Central – 50 Mulheres na Construção de Brasília, obra que deu origem ao documentário homônimo. “Tive contato com histórias que emocionam pela sua força, narrativas que trazem um lado muito mais humano da criação de Brasília”, conta. “Saem da monumentalidade que envolve a construção de uma cidade”.
Os relatos mostram realidades diversas. Há mulheres que chegaram ao Planalto Central no pau de arara, fugindo da seca. Outras abriram mão de uma vida confortável nas grandes capitais para viver sem água encanada ou luz elétrica.
“Conversei com uma senhora que passou por uma cesárea a seco, sem analgesia, tamanha a precariedade dos acampamentos nos tempos da construção”, conta a pesquisadora. “Minha própria mãe saiu do Rio de Janeiro, uma das cidades brasileiras mais cosmopolitas em 1960, para dar aula de Geografia em uma Taguatinga recém-criada”.
A presença feminina durante a construção de Brasília, apesar de numerosa, padeceu de invisibilidade por muitos anos. Alguns nomes ganharam notoriedade na história. É o caso de Zenaide Barbosa dos Santos, que serviu cafezinho à comitiva presidencial na primeira vez em que JK pisou no Planalto Central. Ou o de Júlia Kubitscheck, mãe e força-motriz por trás do homem que ousou criar uma cidade no centro do país. Mas as histórias de grandes mulheres como Dona Coracy, Tia Neiva e Mercedes Parada, entre tantas outras, merecem destaque.
Dona Coracy
Ela chegou a Brasília ao lado do marido. Coracy Uchôa Pinheiro e Israel Pinheiro, o recém-empossado presidente da Novacap, foram os primeiros moradores do Catetinho. Nascida em Paracatu (MG), acostumada a viver na fazenda, Dona Coracy não estranhou muito o desconforto de uma cidade em plena construção. E, diante do jeito fechado do companheiro, logo assumiu o papel de ponte entre o gestor e os candangos.
Enquanto Israel Pinheiro comandava as obras de construção da capital federal, Dona Coracy dedicava-se às demandas dos mais necessitados. Providenciava remédios, atendimento médico e escolas para os candangos. Era acionada até quando precisavam fazer enterros, já que ainda não havia cemitério na cidade.
Seu trabalho social foi consolidado na Associação das Pioneiras Sociais, entidade que fundou juntamente com Sarah Kubitschek. Dona Coracy morreu em 2013, aos 107 anos. Com Israel Pinheiro, teve nove filhos, 30 netos e dez bisnetos.
Tia Neiva
Sergipana de Propriá, Neiva Chavez Zelaya fez de tudo. Foi costureira, fotógrafa, agricultora e motorista de ônibus. Seu caminho cruzou com o de Brasília quando, morando no município goiano de Jaraguá, comprou um caminhão e passou a transportar materiais para construir o sonho de JK.
Dividia a vida de caminhoneira com trabalhos sociais. Teve um abrigo para crianças no Núcleo Bandeirante, dava comida a quem tinha fome e passou a ser conhecida como Tia Neiva. Por conta de suas visões mediúnicas, criou a União Espiritualista Seta Branca, embrião que deu origem à comunidade religiosa Vale do Amanhecer.
Mercedes Parada
A normalista goiana chegou ao Planalto Central em 1957. Mercedes Ribas Parada nunca tinha atuado como topógrafa na vida, mas, orientada pelo marido, o engenheiro Joffre Mozart Parada, delimitou tamanho e local de cada uma das 102 fazendas que deram origem ao Distrito Federal.
Apesar de ter traçado o mapa original do DF, seu nome não aparece nos registros da construção de Brasília. A casinha de onde transformava em planta cartográfica os dados trazidos pelo marido está de pé até hoje, na Candangolândia.
Foto Arte: Agência Brasília