Em meio a uma escalada sem precedentes das temperaturas globais, o Brasil é dos países que enfrenta dos momento mais crítico em sua história climática.
O ano de 2024 não apenas se consolidou como o mais quente já registrado no país, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), como também deixou para 2025 um recado alarmante: com média de 25,02°C, superou em 0,79°C a média histórica de 1991-2020, concentrando junto com os últimos anos (2016-2024), as cinco maiores médias anuais já documentadas.
O cenário global não é diferente – a Organização Meteorológica Mundial (OMM) reportou que a temperatura média da superfície terrestre até setembro de 2024 superou em 1,54°C os níveis pré-industriais.
Mais do que números em uma planilha, o aquecimento tem se traduzido em impactos concretos no cotidiano das cidades brasileiras. Entre 2020 e 2023, o país registrou uma média anual de 4.077 desastres relacionados ao clima, praticamente dobrando os registros das duas décadas anteriores, segundo estudo da Universidade Federal de São Paulo.
Com a previsão de que mais de dois terços da população mundial viverá em áreas urbanas até 2050, conforme dados da ONU, a adaptação climática deixa de ser uma pauta do futuro para se tornar uma urgência do presente, exigindo transformações profundas na forma como pensamos e organizamos nossos centros urbanos. Consolidando conversas com especialistas ao longo dos últimos meses, EXAME lista abaixo cinco das principais demandas adaptativas.
Adaptação sob medida: desafio das soluções locais
A realidade brasileira evidencia que não existe solução única para o enfrentamento das mudanças climáticas. Cada município apresenta características próprias que demandam estratégias específicas de adaptação, considerando aspectos físicos, hidrológicos, culturais e até mesmo políticos.
A simples replicação de ações bem-sucedidas em outros contextos pode não apenas ser ineficaz, como também onerar desnecessariamente os cofres públicos e, em alguns casos, agravar problemas existentes. Especialmente em regiões periféricas, onde a infraestrutura básica muitas vezes é precária, é fundamental que as soluções surjam do conhecimento local e da compreensão profunda das necessidades específicas de cada comunidade.
Da base para o topo, soluções que nascem nas comunidades
As adaptações baseadas em comunidades têm se mostrado particularmente eficazes em áreas periféricas. Em locais como o Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, e Paraisópolis, em São Paulo, os próprios moradores desenvolvem mecanismos para lidar com os desafios climáticos. As soluções incluem desde a construção de casas sobre palafitas para evitar inundações até a reorganização dos horários de trabalho para profissionais que atuam ao ar livre em regiões onde as temperaturas podem ultrapassar os 40°C.
No âmbito do transporte público, frotas antigas e sem ar condicionado têm recebido especial atenção, considerando o impacto sobre moradores que passam horas em deslocamento diário. Uma das propostas mais inovadoras envolveria a realocação de trabalhadores para locais mais próximos de suas residências, embora a especulação imobiliária ainda seja o obstáculo mais significativo para esta mudança.
Pontos de respiro: a necessidade de espaços climatizados
A criação de espaços climatizados em pontos estratégicos das cidades tornou-se uma questão de saúde pública. Estudos científicos demonstram que a exposição prolongada ao calor afeta igualmente todas as pessoas, independentemente de sua percepção individual da temperatura.
Inspiradas em experiências internacionais, como os “refúgios frescos” de Paris, cidades brasileiras começam a planejar a implementação de centros climatizados que também oferecem água gratuita. Estas iniciativas são particularmente importantes para populações vulneráveis, especialmente pessoas em situação de rua, que estão mais expostas aos eventos climáticos extremos.
Enfrentamento aos extremos hídricos
O Brasil enfrenta um complexo paradoxo hídrico que demanda atenção imediata. Em 2024, enquanto a região amazônica, incluindo Manaus, sofreu com uma grave crise de abastecimento, outras áreas do país enfrentaram alagamentos devastadores.
Esta realidade remonta a crises anteriores, como a severa escassez hídrica que atingiu São Paulo em 2014, levando à implementação de medidas como a transposição de água da bacia do rio Paraíba do Sul. O caso bem-sucedido de Maringá, no Paraná, é dos exemplos promissores. Por meio do projeto Rio Limpo, a cidade alcançou a marca de 99,99% da população com acesso à água potável, combinando monitoramento rigoroso da qualidade da água com controle efetivo de resíduos sólidos nos córregos urbanos.
Cidade e Natureza, aliadas na infraestrutura verde
A preservação e recuperação de áreas verdes emerge como uma estratégia fundamental com múltiplos benefícios. Além de contribuir para a redução das temperaturas urbanas, estas iniciativas são cruciais para a manutenção do ciclo natural das águas e a diminuição da poluição atmosférica.
As soluções baseadas na natureza abrangem desde a implementação de telhados verdes em edifícios até a criação de parques urbanos extensos e a preservação de ecossistemas costeiros como manguezais. Estas medidas têm se mostrado particularmente eficazes na proteção contra eventos climáticos extremos e na criação de microclimas mais amenos em áreas urbanas densamente povoadas.
Agora, Plano Clima precisa acelerar
O sucesso destas iniciativas dependerá fundamentalmente da capacidade de envolver as comunidades locais no planejamento e implementação das soluções, garantindo que as especificidades de cada região sejam consideradas. E o país precisa arrancar na revisão de sua Estratégia Nacional de Adaptação do Plano Clima: cidades que não podem esperar pedem ações imediatas e efetivas para proteger suas populações dos impactos cada vez mais severos das mudanças climáticas.
O futuro das áreas urbanas brasileiras dependerá da agilidade e eficiência na implementação destas transformações essenciais.