Os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) derrubaram a revisão da vida toda do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) pouco mais de um ano depois de aprovar a tese. A reviravolta é uma derrota a segurados.
A decisão pode representar um alívio nas contas do governo federal. Segundo o anexo de riscos fiscais do PLDO (Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2024, o impacto era estimado em R$ 480 bilhões.
Por sete votos a quatro, a tese aprovada pela corte em 2022 foi derrubada. A revisão permitia incluir salários antigos, pagos em outras moedas, no cálculo de benefícios e, assim, aumentar o valor de aposentadorias.
O posicionamento dos ministros foi tomado ao analisar duas ações de 1999, que tratavam sobre a constitucionalidade de pontos da reforma da Previdência do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
As mudanças na legislação trouxeram nova fórmula de cálculo dos benefícios e criaram o fator previdenciário.
As ADIs (Ações Direta de Inconstitucionalidade) 2.110 e 2.111 foram incluídas na pauta do STF pelo presidente da corte, Luís Roberto Barroso, na sessão que trataria do recurso da União contra a revisão da vida toda.
O julgamento dos chamados embargos de declaração contra a correção estava pautado para a tarde desta quinta, mas não chegou a ocorrer. Ao declarar que a reforma de 1999 é constitucional, 7 dos 11 ministros entenderam que não cabe mais a tese da vida toda.
O debate estava em torno da constitucionalidade do artigo 3º da lei 9.876. Ele trata do cálculo do benefício para quem ingressou no INSS antes e depois da lei de 1999.
A decisão a favor do fator previdenciário e do cálculo da reforma foi unânime.
Desse modo, os ministros Cristiano Zanin, Flávio Dino, Nunes Marques, Dias Toffoli, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso votaram a favor de tornar a regra de cálculo obrigatória, o que invalidou a revisão da vida toda.
Moraes foi o primeiro a votar. Ele disse ser a favor de manter a constitucionalidade do fator previdenciário, mas defendeu que isso não derrubaria a revisão da vida toda.
Em seus argumentos, disse que a regra da reforma de 1999 prejudicou os segurados que já estavam contribuindo para o INSS e beneficiou quem ainda iria entrar no sistema, o que seria inconstitucional.
“Obviamente houve um erro na aplicação da regra de transição”, disse o ministro.
Moraes leu, então, a tese aprovada em dezembro de 2022: “O segurado que implementou as condições para o benefício previdenciário após a vigência da lei de 9.876/99 e antes da vigência das novas regras constitucionais introduzidas pela EC 103/19 tem o direito de optar pela regra definitiva caso esta seja mais favorável”.
Zanin, primeiro indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), discordou. Para ele, o fator é constitucional e, com isso, a revisão da vida toda não é possível.
“Nós não podemos aqui confirmar a constitucionalidade do artigo 3º e dizer que essa regra seria uma opção. Ora, justamente foram previstas três regras específicas, inclusive uma de transição, justamente para se preservar o equilíbrio do sistema previdenciário, é o que está na Constituição”, disse Zanin.
Barroso, responsável por apontar a impossibilidade de se escolher entre as duas regras de cálculo da reforma de 1999, votou com Zanin, assim como o recém-empossado Flávio Dino.
“Ninguém fica feliz em não atender o segurado. Mas temos de zelar pela integridade do sistema”, afirmou Barroso. “Todas as reformas da Previdência, infelizmente, não vêm para melhorar a vida do segurado, elas vêm para agravar a vida do segurado, porque os sistemas precisam ser minimamente sustentáveis.”
Houve embate entre os ministros. Moraes argumentou que o Supremo não poderia mudar entendimento em tese já firmada, referindo-se ao julgamento de 2022.
Zanin, por sua vez, foi mais a fundo. Ele lembrou que questões atuariais já haviam sido debatidas pelo STF em 2000, confirmando que a reforma de 1999 era constitucional.
Na nota da AGU (Advocacia-Geral da União), Messias destacou esse posicionamento da corte. “A decisão do STF garante segurança jurídica e confirma entendimento fixado pelo próprio tribunal há mais de 20 anos.”
Segundo ele, o resultado do julgamento do STF “trata-se de uma decisão paradigmática para o Estado Brasileiro”, em razão dos efeitos nas contas públicas, além de evitar “a instalação de um cenário de caos judicial e administrativo”.
Economista-chefe da Warren Brasil, ex-secretário da Fazenda de São Paulo e ex-diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente), Felipe Salto elogiou a decisão em uma rede social.
“Supremo decide bem na questão da revisão da vida toda, mostrando que podemos, por vezes, nos esquecer da famosa frase: ‘no Brasil, até o passado é incerto'”, escreveu no X (antigo Twitter).
Para Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper e colunista da Folha, a decisão foi surpreendente, fez justiça e reafirmou a reforma da Previdência.
“É uma notícia muito positiva do ponto de vista das contas públicas”, afirmou, lembrando a economia projetada. “A decisão reforça a legislação da reforma da Previdência e tudo o que foi implementado desde então.”
Já a advogada Adriane Bramante, do conselho consultivo do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário), criticou a forma como o caso voltou ao plenário.
“Era muito claro que o INSS não queria fazer a revisão. No curso desse processo, houve mudanças de ministros, e isso gerou mudança de entendimento, trazendo outras reflexões no STF e resultando no que a gente viu nesta quinta”, disse Bramante.
Tonia Galetti, advogada do Sindnapi (Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos), disse que o julgamento foi técnico, sem levar em conta questões sociais, como perda de renda dos segurados.
“Não foi um julgamento político, foi um julgamento técnico. Foi colocada a visão dele [Cristiano Zanin] e os outros acompanharam. Quem é bom arruma técnica para resolver problemas.”
(Folha de São Paulo)