O Brasil fechou 2023 com recorde nas vendas de combustíveis e repetiu um padrão de consumo maior de gasolina sobre o etanol, que fechou o ano com a menor participação no mercado de veículos desde 2017.
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As vendas do derivado da cana-de-açúcar começaram a se recuperar no fim do ano, mas o setor vê uma mudança de hábito do consumidor como um desafio, principalmente diante da expectativa de safra recorde.
Segundo a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis), o país consumiu em 2023 129,6 bilhões de litros de combustíveis líquidos, alta de 4,8% em relação ao ano anterior. A conta considera as vendas de gasolina, diesel, etanol e óleo combustível.
No mercado automotivo, as vendas de gasolina e etanol subiram 6,2%, para 62,2 bilhões de litros.
Considerando o etanol anidro, que é misturado à gasolina, a ANP estima que a participação do biocombustível nesse mercado ficou em 46%, contra 46,3% do ano anterior.
Já as vendas de diesel também foram recordes, chegando a 65,5 bilhões de litros, alta de 3,5% em relação a 2022. Neste caso, houve avanço da fatia de biodiesel, que foi de 11%, contra 10% no ano anterior. Ainda assim, é um patamar menor do que os verificados em 2020 e 2021.
A indústria de setor de cana-de-açúcar avalia que a opção do consumidor pela gasolina reflete o desequilíbrio tributário provocado com a redução dos impostos sobre a gasolina pelo governo Jair Bolsonaro (PL) em 2022.
Os subsídios tributários ao derivado de petróleo foram mantidos pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) até julho de 2023, apesar das cobranças pela redução do consumo de combustíveis fósseis em meio à emergência climática.
O presidente da consultoria Datagro, Plinio Nastari, diz acreditar que uma mudança de hábito do consumidor no período de desoneração pode estar por trás da resistência do consumidor em voltar a abastecer com etanol.
“O preço [da gasolina] ficou mais baixo do que deveria, pressionou competitividade do etanol, o consumidor passou a usar mais gasolina e formou-se um hábito”, diz ele.
As vendas do biocombustível começaram a se recuperar após a reoneração, diz Nastari, mas ainda estão abaixo do potencial.
A Datagro estima que, com a vantagem atual de preço, o mercado de etanol hidratado deveria somar 2,1 bilhões de litros por mês. Em dezembro, porém, foi de 1,9 bilhão de litros.
O diretor de Inteligência Setorial da Unica (União da Indústria da Cana-de-Açúcar), Luciano Rodrigues, confirma a lenta retomada das vendas e também vê um efeito “inércia” no consumidor, que se acostumou com a gasolina mais barata.
“Hábito de consumo é algo que não se altera de um dia para o outro”, diz. Ele destaca, porém, que os preços hoje são favoráveis ao etanol —em dezembro, por exemplo, o litro do biocombustível custou, em média no país, 62% do litro da gasolina.
Para a Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), quando esse patamar está abaixo de 65%, a vantagem do etanol é clara. Entre 65% e 75%, a diferença para o consumidor é pouca. Acima de 75%, a gasolina é a melhor opção.
A relação favorável ao etanol em um momento de entressafra é também, segundo Nastari, um efeito da queda nas vendas.
No fim de dezembro, segundo a Datagro, os estoques de etanol hidratado no centro-sul atingiram o recorde de 9,2 bilhões de litros, alta de 34% em relação ao mesmo período de 2022.
“O mercado vive um momento de preço baixo, consumo abaixo do potencial e estoque alto”, diz. Para desovar estoques, as usinas têm praticado preços abaixo da média: na segunda quinzena de janeiro, o hidratado em São Paulo bateu R$ 1,84 por litro, o menor valor desde 2020, em meio à pandemia.
A estratégia tem surtido efeito: em dezembro, por exemplo, as vendas cresceram 41% em relação ao mesmo mês do ano anterior, indicando uma volta gradual do consumidor ao produto. Mas o setor prevê safra recorde este ano, o que indica novos desafios.
Os produtores esperam, portanto, que o consumidor perceba que o preço é hoje positivo e voltem a comprar etanol. Destacam ainda as vantagens ambientais do produto, que emite menos gases poluentes que a gasolina.
“Tem espaço para o consumidor usar etanol e economizar”, diz Rodrigues, da Unica.
(Folha de São Paulo)