Biscoitos são os vilões da alimentação não saudável nas escolas do Brasil.
Um estudo inédito mostra que esse tipo de alimento ultraprocessado é o quinto mais comprado para estudantes de escolas públicas no país —ele fica atrás apenas de carne bovina, frango, leite em pó e de banana.
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Em 2020, uma resolução do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que fornece recursos a estados e municípios para a compra de alimentação escolar, determinou que a maioria dos alimentos oferecidos aos estudantes devem ser naturais (in natura) ou minimamente processados (arroz e feijão, por exemplo, que passam por algum processo industrial, como limpeza, mas sem adição de produtos químicos).
Foi estabelecido um limite máximo de 20% dos gastos para alimentos processados (industrializados com adição de sal, açúcar ou de outro ingrediente que torne o alimento mais durável, como legumes em conserva) e ultraprocessados (totalmente industrializado, com aditivos químicos, como biscoitos, salsichas, refrigerantes etc.)
O estudo sobre as compras para as escolas brasileiras, divulgado nesta segunda-feira (9), é resultado de uma parceria entre pesquisadores do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens), da USP, do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação (Nepa), da Unicamp, e do Observatório de Alimentação Escolar. A equipe analisou a prestação de contas que estados e municípios fazem anualmente da compra de alimentos para escolas com verba federal.
Os pesquisadores optaram por avaliar como estava a alimentação nas escolas brasileiras antes da publicação da resolução que restringiu a compra de processados e ultraprocessados. Foram analisadas as prestações de conta de 2015, 2017 e 2019. Em uma segunda etapa, a equipe analisará as prestações posteriores à resolução e também à pandemia (as de 2021 e 2022), a fim de avaliar o impacto das restrições.
O estudo mostrou que, em 2019, mais de 60% dos municípios brasileiros gastavam mais do que o limite da verba destinada à merenda com alimentos não saudáveis.
A parte “meio cheia” desse copo é que houve melhora ao longo dos anos. Em 2015 eram cerca de 70% os municípios fora da meta de alimentação saudável nas escolas e, em 2017, o número havia caído para aproximadamente 63%.
A melhor situação é a da região Sudeste, na qual, em 2019, 62,5% dos municípios estavam dentro da meta de alimentação saudável para as escolas. O pior resultado foi o do Nordeste, com apenas 22,5%. No Sul, foram 30,3%, e, no Centro Oeste, 48,6%.
A porcentagem de verba gasta com alimentos processados e ultraprocessados também foi reduzida nos últimos anos. Em 2015, era de 27,2%; em 2019, 24,3%.
“É importante ressaltar que, antes mesmo da publicação da resolução, 40% dos municípios brasileiros já conseguiam cumprir a meta de alimentação saudável”, pontua Ana Clara Duran, pesquisadora da Unicamp que coordena a pesquisa. “Isso mostra que a resolução não é utópica, e sim completamente factível”, afirma.
Ela disse que, em geral, municípios com mais recursos para a alimentação escolar e mais estrutura nas escolas compram menos alimentos não saudáveis. Mas isso não é uma regra. “A gente encontrou cidades ricas com alimentação não saudável nas escolas e cidades pobres com alimentação escolar mais saudável. Há outros fatores, como o interesse político, que influenciam na qualidade dessa compra de alimentos.”
No ranking dos alimentos mais comprados para as escolas brasileiras, em 2019, a carne bovina representou 14% e o frango, quase 8%. Em terceiro lugar veio o leite em pó (minimamente processado), com 6%, a banana, com 4,4% e o biscoito, com 4,3%.
Um outro dado preocupante é que as escolas oferecem mais comida ultraprocessada do que processada –ou seja, há maior quantidade de alimentos com mais aditivos químicos. Em 2019, foram gastos 15,2% da verba com ultraprocessados e 9,1% com processados nas escolas brasileiras. A região Sul é a recordista de ultraprocessados, utilizando, com esses alimentos, 18,1% dos recursos destina à merenda.
Essa verba faz parte do Programa Nacional de Alimentação Escolar, o PNAE, que repassa recursos federais para a alimentação na educação básica. Depois de permanecer sem reajuste por cinco anos, desde 2017, os valores diários por estudante subiram até 40% neste ano –esta havia sido uma promessa de campanha de Lula (PT).
Ainda assim, os valores são baixos. Atualmente, o repasse é de R$ 1,37 para matriculados em creches e no ensino integral, R$ 0,72 para alunos do fundamental e do ensino médio regular e R$ 0,86 para os de escolas quilombolas e indígenas.
(Folha de São Paulo)