O ex-ministro Anderson Torres presta depoimento nesta terça-feira (8/8) na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que investiga a invasão dos prédios dos Três Poderes em Brasília em 8 de janeiro.
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Ex-delegado da Polícia Federal e ex-ministro da Justiça do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Torres era Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal (DF) e estava na Flórida (EUA) quando os ataques ocorreram.
Ele era responsável pelo esquema de segurança de Brasília na data e foi preso preventivamente ao voltar ao Brasil, uma semana depois, sob suspeita de omissão intencional na segurança, o que teria supostamente contribuído para permitir os atos de vandalismo, segundo a acusação. Torres nega que tenha sido omisso ou facilitado os atos.
Após a decretação de sua prisão preventiva, ele disse lamentar “profundamente” que fossem “levantadas hipóteses absurdas de qualquer conivência minha com as barbáries que assistimos”.
Torres também está sendo investigado por causa da minuta de um decreto que possibilitaria um golpe de Estado encontrada em sua casa pela polícia e que ele nunca detalhou sua origem — disse apenas que o documento estava em uma “pilha para descarte” e que respeita a democracia.
Em maio, Torres conseguiu o direito de cumprir em liberdade medidas alternativas à prisão, como o uso de tornozeleira eletrônica. Além disso, a Justiça determinou que ele precisa estar em casa após as 22h todos os dias e não sair do DF.
Embora seja investigado em um processo criminal envolvendo os atos golpistas, na CPMI de 8 de janeiro está sendo ouvido como testemunha, não como investigado.
Na sexta-feira (4/8), sua defesa pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que Torres tenha garantido o direito constitucional de não responder perguntas que o incriminam.
Em processos criminais, normalmente não há a necessidade de fazer um pedido preventivo à Justiça para ter esse direito garantido, explica o criminalista Raul Abramo.
Quem é investigado tem a obrigação de comparecer para prestar depoimento, mas pode escolher ficar em silêncio.
Já testemunhas têm a obrigação de colaborar e o dever de dizer a verdade, explica o criminalista Yuri Carneiro Coelho, sob o risco de terem que responder por falso testemunho.
No entanto, até mesmo as testemunhas têm o direito de não responder determinadas perguntas caso a resposta possa incriminá-las.
“A proibição da Constituição de que se coerça alguém a se autoincriminar vale inclusive para testemunhas”, explica Raul Abramo.
A situação de uma investigação em CPMI, no entanto, faz com que a defesa dos depoentes acabe tomando medidas preventivas, explica Carneiro, que é professor de Direito Penal da Faculdade Nobre e do MeuCurso.
“A defesa faz isso por medo de que os parlamentares ultrapassem os limites e façam coisas como dar voz de prisão, por exemplo”, diz Carneiro.
Para Abramo, a questão da CPMI é delicada, porque haveria também um objetivo político, não apenas de produção de provas para processos.
“Como estava pegando mal publicamente o fato de que muitos investigados estavam se mantendo em silêncio, passou a haver uma pressão pública muito grande para que eles falassem”, explica Abramo.
“As defesas então começaram a pedir habeas corpus preventivos para garantir o direito de seus clientes.”
Embora a princípio uma pessoa investigada tenha o direito de não responder perguntas, o STF tem dado decisões que permitem que, nas CPIs, os investigados fiquem em silêncio apenas em casos em que possa haver possibilidade de autoincriminação.
No pedido da defesa de Torres, consta também a demanda de que ele seja considerado investigado e não testemunha.
O ministro Alexandre de Moraes ainda não havia respondido ao pedido da defesa de Torres até a publicação desta reportagem.
Torres vai falar ou ficar em silêncio diante dos parlamentares?
Apesar da petição feita à Justiça, Anderson Torres tem dito à imprensa que pretende falar e colaborar com a investigação da CPMI — mantendo o direito de não responder perguntas que o incriminem.
A defesa do ex-ministro disse à BBC News Brasil que o principal objetivo do pedido ao STF é, na verdade, evitar que Torres desrespeite as regras determinadas pela própria Justiça para o cumprimento das medidas alternativas à prisão.
“Foi pedido um salvo conduto, já que normalmente ele precisa estar em casa após às 22h e está proibido de falar com certos senadores que inevitavelmente estarão na CPMI”, diz o escritório Peres e Novacki, que faz a defesa do ex-ministro.
Abramo afirma que seria muito difícil um juiz decretar descumprimento das medidas cautelares pelo comparecimento de um réu a uma CPMI (que é obrigatório). Mesmo assim, afirma, é prudente que a defesa peça autorização da Justiça para evitar que existam no futuro argumentos de descumprimento por parte da acusação.
Houve omissão do governo do DF quanto aos ataques aos três poderes em 8 de janeiro?
Diante dos senadores, Torres vai enfrentar uma série de perguntas sobre seu segundo período de atuação como Secretário de Segurança Pública (SSP) do DF.
Ele já havia sido secretário entre 2019 e 2021, quando se tornou ministro da Justiça, e voltou para o cargo após o fim do governo Bolsonaro.
Foi sob sua gestão que prédios dos Três Poderes foram invadidos e depredados em 8 janeiro. Torres enfrenta um processo criminal justamente sob a acusação de que a polícia do DF não teria agido para evitar as invasões.
Na CPMI, embora ele seja apenas testemunha no momento, o seu depoimento é um dos mais aguardados: foi pedido em 17 requerimentos diferentes.
Foram autores de pedidos para ouvi-lo desde senadores do governo — como Eliziane Gama (PSD-MA), Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Rogério Carvalho (PT-SE) — a bolsonaristas como Marcos do Val (Podemos-ES) e Eduardo Girão (Novo-CE).
Gama disse em seu requerimento que o depoimento de Torres será essencial para os trabalhos futuros da comissão.
Já Jorge Seif (PL-SC) disse à Agência Senado que o depoimento não traz novidades já que Torres já respondeu perguntas da Polícia Federal.
Havia um plano para evitar violência de bolsonaristas radicais?
Segundo o governo federal, a possibilidade de violência por parte de bolsonaristas radicais em Brasília é algo que já deveria estar no radar do governador Ibaneis Rocha e de seu secretário de segurança.
Isso porque haveria precedentes tanto em acampamentos bolsonaristas montados em frente a quarteis pelo Brasil quanto no próprio DF.
Em 12 de dezembro, manifestantes tentaram invadir a sede da Polícia Federal em Brasília.
Eliziane Gama afirmou que Torres também deve ser questionado sobre o episódio.
Havia um plano de contenção no DF para evitar um golpe? Por que ele não foi compartilhado com o governo federal que assumia?
Houve tentativa de interferência nas eleições por parte da PRF?
Segundo falas recentes da senadora Eliziane Gama, outro assunto sobre o qual Torres será questionado são as operações de segurança realizadas pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) no Nordeste às vésperas da eleição presidencial de 2022, quando Torres era ministro da Justiça e Segurança Pública.
As operações foram acusadas de ser uma tentativa de dificultar a votação de eleitores de Lula e de interferir no processo eleitoral. A PRF está vinculada ao Ministério da Justiça. À época, Torres negou qualquer irregularidade.
Quem fez a minuta do golpe e qual era o envolvimento de Bolsonaro?
O depoimento de Torres também deve incitar perguntas sobre a minuta do golpe encontrada em sua casa após uma busca e apreensão da Polícia Federal.
Embora o documento dificilmente sirva de prova contra Torres em um processo criminal, como explicou a advogada constitucionalista Vera Chemin à BBC em janeiro, ele é “inconstitucional e reprovável do ponto de vista da ética e da moralidade da administração pública”.
O ex-ministro disse no Twitter, à época, que no cargo de ministro da Justiça ele se deparava com “audiências, sugestões e propostas dos mais diversos tipos”, mas nunca esclareceu de fato quem havia escrito o documento, que não estava assinado.
Torres nunca explicou se Bolsonaro sabia do conteúdo ou para que ele seria usado — questões que devem estar na pauta da CPMI.
(BBC News)