A Fiocruz recebeu nesta quarta-feira, 2, a primeira remessa dos bancos de células e de vírus necessários para o início da produção nacional do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA), prevista para começar ainda este mês. Dessa forma, a expectativa é de que em até quatro meses seja reduzida a dependência de insumos para imunizantes vindos de outros países, como a China.
Veja também
Prova de vida do INSS volta a ser obrigatória a partir de hoje
Base para a produção do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA), os dois ingredientes são o “coração” da tecnologia da vacina. Chegaram ao País no dia seguinte à assinatura do contrato de transferência de tecnologia da AstraZeneca para a Fiocruz. A previsão é de que, a partir de outubro, a instituição já distribua imunizantes 100% nacionais – o que é crucial para garantir a autonomia do País. O montante deve chegar a 50 milhões de doses em 2021.
A presidente da Fiocruz, Nísia Trindade, explicou que a projeção divulgada originalmente, de entregar entre 100 milhões e 110 milhões de doses de produção inteiramente nacional até o fim do ano, era uma estimativa feita de acordo com o conhecimento tecnológico que se tinha na época, antes mesmo de o imunizante ter sido aprovado. Agora, com a transferência da tecnologia concluída, a realidade se revelou mais complexa.
“Somos uma instituição científica, não fazemos previsões, fazemos estimativas”, frisou ela. “Há coisas que só no processo de desenvolvimento é possível saber. O problema não é só aqui, é no mundo todo. É uma plataforma nova (de fabricação de vacina) sendo adotada por vários sítios de produção em diferentes países ao mesmo tempo.” A instituição poderá precisar suspender produção, por exemplo, para produzir os próprios bancos de células e vírus.
A Fiocruz deve receber ainda mais duas remessas dos bancos de células e vírus, segundo explicou o diretor de Biomanguinhos, Maurício Zuma. Trata-se de um cuidado para preservar o material, considerado extremamente precioso. A produção começa ainda este mês, mas restam algumas etapas a serem cumpridas antes da produção em massa do imunizante nacional. As primeiras doses produzidas formarão os lotes de validação (veja acima). Passarão pela análise da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e da própria AstraZeneca. A partir de outubro, serão 15 milhões de doses com IFA nacional entregues mensalmente.
Zuma explicou que eventualmente serão necessários novos lotes desses bancos de célula e vírus para a produção do IFA. A instituição, então, precisará decidir. Escolherá se produz esses bancos no Brasil – e será preciso parar temporariamente a linha de produção – ou se continuará a importar esses insumos. O diretor garantiu que a demora na assinatura do contrato de transferência de tecnologia não causou atraso na produção.
Conforme Bio-Manguinhos/Fiocruz, nos próximos dias os profissionais da instituição cuidarão do descongelamento dos produtos recebidos. O banco de células e o de vírus passarão, assim, pelo processo produtivo de IFA: expansão celular, biorreação, rompimento celular e tratamento enzimático, clarificação, purificação, concentração e condicionamento, formulação do IFA, filtração final, congelamento e controle de qualidade.
“Foram meses de intensa negociação, discussão e troca de informações técnicas com a AstraZeneca”, afirmou Maurício Zuma. “Este é um momento muito importante para todos nós, para o Brasil. Estamos incorporando uma nova plataforma tecnológica que vai nos permitir no futuro desenvolver e produzir novas vacinas para novas doenças. É um grande passo para a nossa soberania nacional na área de produção de vacina.”
O feito também foi comemorado nesta quarta-feira pelo presidente Jair Bolsonaro, em discurso em rede nacional. “Com isso, passamos a integrar a elite de apenas cinco países que produzem vacinas contra o covid no mundo”, disse. O presidente não mencionou o “tratamento precoce” com medicamentos sem eficácia contra a covid-19 e seu discurso foi alvo de “panelaços”.
A curto prazo, a instituição ainda dependerá da importação do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) da China. Isso pode ainda causar um hiato na distribuição do produto ao Programa Nacional de Imunização (PNI). O problema pode ocorrer entre agosto e setembro, segundo informou Nísia Trindade, na recepção dos equipamentos. “Pode haver um gap? Pode. Entre agosto e setembro”, admitiu Nísia. “Estamos trabalhando para que isso não aconteça, mas vai depender da chegada do IFA a cada mês; por isso estamos dando estimativas mês a mês. Nosso compromisso é sempre o de atualizar o cronograma. Mas é preciso ter clareza que a situação em todo o mundo é muito difícil em termos de IFA.”
Por isso, a instituição reduziu a estimativa de produção de doses totalmente fabricadas no Brasil, de 100 milhões para 50 milhões até o fim deste ano. As demais 50 milhões, garante a instituição, serão entregues ao PNI conforme previsto, mas ainda dependerão da importação de IFA da China. O recebimento de novas remessas do ingrediente está em negociação, segundo Nísia.
No total, conforme a própria fundação, já foram entregues 47,6 milhões de doses ao PNI, incluindo 4 milhões de doses prontas da vacina do Instituto Serum, da Índia. Com o IFA já em estoque no Instituto, estão garantidas outras 12 milhões de doses, além de cerca de 6,5 milhões de unidades já produzidas e em liberação, com entregas semanais garantidas até 3 de julho.
(Estadão Conteúdo)