Plano, que tem dois cenários para elevar o Índice de Desenvolvimento Humano do Brasil, é criticado pela falta de detalhamento
O governo definiu uma estratégia de longo prazo que conta com a aprovação de reformas para elevar o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do País a patamares próximos do Uruguai ou até do Chile, nações mais desenvolvidas que o Brasil em termos de renda, escolaridade e expectativa de vida. O decreto, publicado ontem no Diário Oficial da União, traça uma série de metas econômicas, institucionais, ambientais, sociais e de infraestrutura a serem atingidas até 2031 para tentar levar o País a uma trajetória de maior crescimento.
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O documento, no entanto, está sendo alvo de críticas e comparado a uma carta de intenções, sem que haja um detalhamento de como as metas serão alcançadas. O instrumento usado – um decreto – também causou estranheza. Ao contrário de um projeto de lei, o texto não passa por uma discussão prévia com o Congresso Nacional, que aprova ou não as reformas consideradas necessárias para o cumprimento dos objetivos. Além disso, um decreto pode ser alterado a qualquer momento – uma “fragilidade” para uma estratégia que pretende mirar o longo prazo.
A publicação do decreto está sendo vista como um ressurgimento da Estratégia Nacional de Desenvolvimento Social (Endes), que foi colocada em consulta pública no fim do governo Michel Temer, após recomendação do Tribunal de Contas da União (TCU) para que houvesse “diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado”. De lá para cá, o cenário econômico, fiscal e social do País se alterou profundamente, na esteira inclusive da pandemia da covid-19.
O secretário de Gestão do Ministério da Economia, Cristiano Heckert, disse que o governo Temer entregou na transição para o presidente Jair Bolsonaro um estudo preliminar para a elaboração de uma estratégia. Segundo ele, esses estudos foram amplamente debatidos e somente depois definido o plano. “Já no início do governo, nós abraçamos essa ideia porque infelizmente o Brasil tinha perdido nas últimas décadas essa capacidade de olhar para o longo prazo”, afirmou o secretário. “É particularmente importante nesse momento porque o cenário macroeconômico do Brasil, que já era desafiador, se aprofundou nesse ano de pandemia.”
Cenários
A estratégia, assinada por Bolsonaro e pelos ministros Paulo Guedes (Economia) e Wagner Rosário (Controladoria-Geral da União), traça dois cenários de desenvolvimento para o País.
O primeiro, considerado como a referência, prevê a aprovação de reformas macrofiscais para equilibrar as contas públicas, como reforma tributária, privatizações e até mudanças adicionais no sistema previdenciário – “com o objetivo de garantir a sustentabilidade financeira e a justiça social”. Nesse cenário, o crescimento médio entre 2021 e 2031 seria de 2,2% ao ano, com aumento de 1,6% ao ano no PIB per capita.
O segundo é o cenário transformador, em que haveria reformas mais amplas aliadas a avanços educacionais. Nesse caminho, o Brasil teria um crescimento médio de 3,5% ao ano, com aumento de 2,9% ao ano no PIB per capita.
Sem fazer nada, as contas públicas se manteriam em “trajetória explosiva”, a desconfiança dos investidores aumentaria e haveria risco de uma crise no refinanciamento da dívida pública, alerta o decreto.
Para medir o alcance das metas, a estratégia fixou o IDH como indicador-chave. Em 2018, o IDH brasileiro estava em 0,761 (quando mais próximo de 1, mais desenvolvido é o país). O objetivo é chegar a 0,808 em 2031 no cenário de referência (o equivalente ao IDH uruguaio) ou até 0,842 no cenário transformador (equivalente ao indicador chileno).
Outros indicadores também foram listados para fazer o acompanhamento setorial dos avanços. Na área social, por exemplo, serão analisados indicadores de educação e o índice de Gini, uma medida da desigualdade de renda no País.
Para o professor do Ibmec Bruno Carazza, o lançamento de uma estratégia de longo prazo é uma maneira de Guedes mandar um recado para a ala desenvolvimentista do governo sobre os riscos de abandono das reformas. A mensagem do ministro, na avaliação dele, é que deixar de lado medidas duras pode levar a um crescimento negativo do País. “Ele demarca o terreno e sinaliza de forma clara para dentro do governo que, se não for por esse caminho, é crise na certa”, diz Carazza, ressaltando que as alas desenvolvimentista e fiscalista estão se digladiando, uma divisão que tem paralisado o governo.
(Estadão Conteúdo)