Índia e Estados Unidos. O que ambos têm em comum? Nas últimas semanas, os dois países tomaram medidas para banir o aplicativo chinês de vídeos curtos TikTok. Enquanto a Índia foi mais assertiva e já baniu de vez o app, os EUA ainda estão estudando a decisão. Segundo autoridades indianas, os aplicativos chineses podem ser utilizados para obter dados dos usuários. Já os Estados Unidos estão estudando a decisão. Em 2019, o TikTok foi o terceiro aplicativo mais baixado no mundo.
Mas e no Brasil? Existe alguma possibilidade de o aplicativo ser impedido de funcionar?
A resposta é: talvez. Não, porque por aqui a proibição, como aconteceu na Índia, não pode partir do governo. E sim porque as gigantes de tecnologia e fabricantes dos smartphones mais usados no Brasil podem proibir o aplicativo em suas respectivas lojas se acabarem concordando que o TikTok viola alguma política de segurança. “No Brasil não existe o bloqueio de aplicativos. Agora, existem aplicativos que são ilegais, que não podem ser disponibilizados na App Store ou na Play Store. Então, se o app for considerado ilegal, ele não pode ser baixado aqui. Mas o Bolsonaro, com uma canetada, não é capaz de bloqueá-los”, explica Fabro Steibel, diretor executivo do Instituto Tecnologia Social (ITS).
O Brasil, como país, nunca conseguiu banir um aplicativo de vez. Em 2015 o WhatsApp foi alvo de proibições que deveriam acontecer por 48 horas, mas que acabaram durando somente treze. Outros apps, como o FaceApp, que desde 2017 é acusado de ter uma política invasiva e problemática, não foram proibidos em terras brasileiras apesar das brechas nos termos do app. Apesar disso, a Apple e o Google foram multados por veicular aplicativos do tipo em suas plataformas. “Além do Código de Defesa do Consumidor, o Marco Civil da Internet também traz regras que podem afetar a continuidade do TikTok no Brasil”, afirma Adriano Mendes, especialista em direito digital e sócio no escritório Assis e Mendes.
Sobre a acusão indiana, o TikTok afirmou que “o aplicativo não tem outra prioridade se não promover uma experiência de aplicativo segura e confiável para nossos usuários” e nega que ter fornecido dados para o governo da China, como fora acusado. “O TikTok é liderado por um CEO americano, com centenas de funcionários e líderes-chave em segurança, produtos e políticas públicas nos EUA”, disse a empresa.
Para Steibel, a motivação para a proibição na Índia é diferente da dos EUA. Enquanto a Índia está preocupada com a soberania do país, o foco dos americanos pode estar muito mais na proteção dos usuários abaixo de 13 anos — apesar de o TikTok afirmar que não existe um foco em um público específico, a maior concentração de usuários está entre jovens e adolescentes. A possível razão para isso é que a rede social se assemelha ao Snapchat, usado por usuários com idades entre 18 e 34 anos – segundo dados da consultoria eMarketer.
“É um movimento novo, mas se tem essa ideia de que, ao você ter aplicativos que coletam dados a tantos momentos, e se você der esses dados a outro país, você estará ameaçando a soberania do seu próprio país. E o que está dentro desse tema de soberania?”, questiona Steibel. “Você tem o reconhecimento facial, o TikTok tem um percentual alto de reconhecimento da população indiana e brasileira. Não é tão diferente da coleta que o Instagram faz, por exemplo, mas a simbiose com o governo chinês cria um uso para esses dados que não é o mesmo utilizado pelo Facebook, que não compartilha os dados com o governo americano. E aí você tem a soberania ameaçada”, diz Steibel.
O TikTok nega que cede informações dos usuários para o governo chinês. “Nunca fornecemos dados dos usuários ao governo chinês e nem o faríamos se solicitado”, disse a empresa em comunicado.
Mas, segundo Mendes, pelas regras da China, o governo chinês tem uma participação societária “ou acesso aos sistemas de quase todos os negócios”. “Assim, em teoria, o Governo Chinês pode ter acesso a dados de residentes em outros países, quando tais dados são recebidos e tratados nos servidores localizados na China”, diz.
Essa, no entanto, não foi a primeira vez que o app foi proibido na Índia. Em abril do ano passado, o TikTok foi proibido temporariamente no país com a justificativa de ser muito expositivo para crianças e adolescentes, especialmente em temas como bullying e violência. Com isso, o app acabou perdendo 15 milhões de usuários.
Já nos Estados Unidos, a proibição pode se dar muito mais para proteger os dados dos mais jovens. “Nos EUA, é preciso lembrar que a maioria dos usuários são menores de idade e por lá existem regras muito restritas sobre isso. A regulamentação lá de coleta de dados para menores de 13 anos é muito rigorosa e o TikTok trabalha muito com essa faixa etária”, explica Steibel.
O mesmo pode impulsionar uma eventual proibição no Brasil. “Já existe um inquérito do Procon para investigar questões relacionados à publicidade direcionada para crianças e adolescentes e também outras investigações que tratam sobre a quantidade e tipos de informações que o aplicativo coleta, sem conhecimento do titular ou sem a necessidade do seu uso para as funções visíveis do aplicativo. Por exemplo, qual é a finalidade de coleta da geolocalização ou do histórico do acesso às chamadas?”, conta Mendes.
Dados ou mercado?
Mas os EUA também podem estar preocupados com outro fator e um eventual banimento do app no país pode ter mais a ver com a guerra comercial com a China do que com a proteção de dados. Se até o Reino Unido entrou na dança e baniu a chinesa Huawei de suas redes 5G, resta saber o que aconteceria com o TikTok. “Não é possível dizer que com o banimento do TikTok os usuários da plataforma voltarão a utilizar o Facebook ou Instagram, mas – assim como no caso da Huawei e 5G, esta pode ser parte da visão estratégica do governo americano para privilegiar suas empresas e manter a hegemonia dos aplicativos ao redor do mundo”, diz Mendes. “Exceto Huawei, Alibaba, WeChat e poucas outras empresas de tecnologia, grande parte dos serviços que usamos diariamente para coleta ou tratamento de dados já estão regidos ou têm controle vinculado às leis americanas.”
Steibel discorda. Para ele, um dos maiores exemplos para isso é o monopólio dos dispositivos iOS e Android no mundo todo, ambos de marcas americanas. “Várias empresas chinesas, com a proibição do Trump, estão anunciando que criarão seus próprios sistemas operacionais. Com isso, deve-se ver uma queda no monopólio do Google. Mas esse fator que existe é uma caracteristica desses mercados, a gente viu isso com o Windows, com os celulares… há uma tendência de poucas empresas de tecnologia dominarem alguns ramos”, explica.
A ideia do TikTok é tentar achar alguma forma de reverter o banimento. “Embora o governo da Índia tenha emitido uma ordem provisória para bloquear 59 aplicativos, a equipe da ByteDance [controladora do TikTok], de cerca de 2.000 funcionários no país, está comprometida em trabalhar com o governo para demonstrar nossa dedicação à segurança do usuário e nosso compromisso com o país em geral”, disse a companhia.
Sair da China resolve?
Para Mendes, eventualmente sair da China para driblar o mercado pode ainda não ser uma solução a curto prazo. “Isso não basta. Iniciada as investigações, o TikTok deverá comprovar que não teve ingerência do governo chinês e que cumpre as legislações protetivas dos países em que atua. Somente assim não haverá a possibilidade de manutenção do bloqueio nos países ocidentais, que não censuram a comunicação e a internet”, explica. “No Brasil, o direito ao livre acesso e à manifestação está previsto na nossa Constituição, Nos Estados Unidos na Primeira Emenda. Ou seja, levando o caso para os tribunais, é possível manter o aplicativo online, mas a gerra jurídica e decisão de governos pode chamuscar e matar o desenvolvimento do aplicativo.”
Se isso vai dar em algo? É díficil saber. Mas as coisas (que estavam tranquilas como vídeos de cachorrinhos no aplicativo) não estão mais tão facéis para o TikTok.
(Portal Exame)