Integrantes do PT e do governo Lula (PT) se dividem sobre a conveniência de convocação de ato em defesa da democracia já anunciado pela presidente do partido, Gleisi Hoffmann (PR), e previsto para ocorrer no próximo dia 23.
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Embora a cúpula do partido negue que essa seja uma resposta à manifestação que, no domingo, reuniu milhares de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na avenida Paulista, em São Paulo, aliados de Lula afirmam que a comparação do número de participantes será inevitável.
Flyer compartilhado por Gleisi nas redes sociais nesta quinta-feira (29) convocando para o ato diz que a manifestação será o Dia Nacional de Mobilização em Defesa da Democracia e terá como um dos motes “sem anista” —em contraposição ao discurso de Bolsonaro na Paulista, no qual ele pediu anistia aos presos pelo ataque golpista de 8 de janeiro de 2023.
“As Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo em conjunto com os partidos do campo democrático e popular e entidades da sociedade civil convocam para a Jornada de Luta em Defesa da Democracia: sem anistia, punição aos golpistas. Golpe nunca mais!”, diz o texto do flyer.
Organizado pelas frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, o ato terá apoio de partidos de esquerda, como PT, PC do B, PV, Rede, PSOL, PSB e PDT.
Reportagem da Folha desta quinta (29) mostrou que movimentos e partidos de esquerda decidiram vetar o mote da prisão de Bolsonaro como bandeira da manifestação. A definição em consenso foi a de pregar o lema “sem anistia para golpista” e lembrar os 60 anos do golpe militar de 1964, difundindo a mensagem de que novas tentativas de ruptura devem ser combatidas.
Líderes da mobilização se irritaram com materiais que circularam dando conta de que o pedido de prisão seria um dos chamarizes do ato. O argumento que prevaleceu nos debates fechados foi o de que o direito de defesa e o devido processo legal têm que ser resguardados, assim como se reivindicava para Lula.
Também há a previsão de manifestações para os dias 8 de março, Dia Internacional da Mulher, 14 de março, data que marca seis anos do assassinato da vereadora Marielle Franco, e 1º de maio, Dia do Trabalhador.
“A defesa da democracia e punição dos golpistas precisa de mobilização nas ruas. Anistia não”, diz Raimundo Bonfim, coordenador nacional da CMP (Central de Movimentos Populares) e integrante da Frente Brasil Popular.
Segundo relatos colhidos pela reportagem, há uma tendência de que o principal ato no dia 23 seja realizado em Salvador, na Bahia, estado governado pelo PT. A ideia é que as principais lideranças possam estar concentradas num mesmo lugar, mas sem inviabilizar que outras manifestações ocorram nas demais capitais do país.
A Bahia garantiu expressiva votação ao petista nas eleições de 2022 —Lula teve 72,12% dos votos.
Há uma avaliação de que o partido conseguirá mobilizar um grande número de apoiadores na capital do estado. A decisão de concentrar ali o principal ato, no entanto, ainda não foi batida e está sendo discutida.
A tendência é evitar a avenida Paulista como ponto escolhido na capital paulista, pelo temor de que a comparação com o ato bolsonarista seja desfavorável.
Gleisi diz à Folha que a mobilização não é uma resposta ao ato bolsonarista. “Defendo como ação contínua de enfrentamento às mobilizações e ações da extrema-direita, também como apoio às políticas que defendemos”, afirma.
Sobre o ato convocado por Bolsonaro, ela diz que o ex-presidente reuniu seus apoiadores “para continuar atentando contra a democracia e deve seguir nesse caminho”.
Com a simpatia de ministros petistas, uma ala do PT avalia que o governo precisa fazer o debate político nas ruas, mas a partir de lançamentos de programas do Executivo, em vez da convocação de ato público. A ideia seria garantir presença popular nas inaugurações e lançamentos de programas, com Lula.
Os petistas também divergem sobre a participação do próprio presidente. Uma ala do partido chega a defender que Lula convoque o ato, o que é rechaçado por parte da equipe ministerial.
Outra ala sugere que Lula seja publicamente convidado, ainda que seja para recusar o convite —o que poderia vir a justificar uma adesão inferior à da manifestação pró-Bolsonaro.
Outro argumento contrário à ideia de que a convocação parta do petista é que ele não deve repetir o exemplo de seu antecessor, que durante o seu governo conclamava apoiadores às ruas.
Vice-presidente do PT, Washington Quaquá (RJ), é um dos que afirmam que a resposta está no sucesso do governo. Segundo ele, os programas sociais e a economia vão assegurar apoio popular ao governo Lula.
Na segunda-feira (23), dia seguinte ao ato bolsonarista, a cúpula do PT debateu a magnitude da manifestação. Segundo participantes, a constatação foi de que Bolsonaro conta com apoio institucional e reúne a direita. Na avaliação de petistas, a polarização continua.
Na reunião, prevaleceu a relevância de políticas públicas para aumento de popularidade do governo, em contraposição à convocação de atos. Apesar dessa concepção, não houve resistência à proposta de organização de atos, defendida por Gleisi.
“Não podemos deixar as ruas só com eles. É um erro político gigantesco. Na história recente do Brasil, as ruas têm se mostrado decisivas”, diz o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ).
Sob reserva, parlamentares aliados do petista reconhecem que a manifestação em São Paulo mostrou que Bolsonaro ainda tem capacidade de mobilizar apoiadores e que isso deverá ter efeitos nas eleições de outubro. Isso porque os potenciais candidatos enxergam vantagens em ter sua imagem associada à do ex-presidente.
Por isso, avaliam, é preciso que os partidos também passem a ocupar esses espaços. Também na segunda-feira, Gleisi se reuniu virtualmente com mais de 5.000 dirigentes do PT para debater estratégias do partido para as eleições.
Em entrevista à RedeTV! nesta semana, o próprio Lula reconheceu que o ato bolsonarista foi “grande”, dizendo que “não é possível você negar um fato”.
Lula afirmou que as imagens da manifestação comprovam o tamanho do ato. “Eles fizeram uma manifestação grande em São Paulo. Mesmo que não quiser acreditar, é só ver a imagem. Como as pessoas chegaram lá ‘é outros 500′”, disse.
“Defender a democracia deve ser um princípio de toda a sociedade e não de um partido de esquerda. Nós temos que ter as ruas e as redes para continuar transformando o país e não só como resposta ao que Bolsonaro fez. Defender a democracia, o governo e as pautas da sociedade, inclusive para pressionar o Congresso para que as pautas que defendemos avancem”, diz o deputado Pedro Uczai (PT-SC).
(Folha de São Paulo)