Não são recentes os alertas sobre a saúde mental de crianças e adolescentes. Pesquisas confirmam que o cenário piorou com a pandemia de Covid-19 (conclusão do estudo realizado pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ipes) e pelo Instituto Cactus).
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Trata-se do aumento “brutal”, nas palavras do pediatra e sanitarista Daniel Becker, de doenças mentais e emocionais, como transtornos de ansiedade, depressão, TDAH, doenças psicossomáticas, registros de automutilação e tentativas de suicídio. Becker aponta ainda o crescimento da violência interpessoal, com mais casos de bullying, assim como o aumento de doenças infecciosas, baixa imunidade e alergias.
“Nós estamos diante de uma situação que é identificada como emergência, inclusive têm países direcionando recursos pra isso, abrindo leito de saúde mental de psiquiatria para crianças e adolescentes, investindo recursos do sistema de saúde na prevenção. Nós temos que acordar pra essa questão aqui [Brasil] também”, cobra, em entrevista.
Más condições da vida moderna
Defensor da infância e do meio ambiente, Becker acredita que as causas para esse cenário de adoecimento estão bem esclarecidas. O problema passa pelas condições de vida, e junto com elas, todo o “estresse tóxico” a que esses jovens estão submetidos. O pediatra elencou o que considera serem as principais razões:
Convivência escassa entre a família
Excesso de trabalho, tempo de deslocamento e problemas como burnout impactam no tempo apreciado entre pais e filhos. “Chega em casa tarde, está exausto e o pouco contato que tem sofre interferência do celular ou da televisão”, exemplifica o médico.
Déficit de natureza
Lembra aquelas histórias dos pais e avós sobre brincadeiras na rua? É cada vez menos frequente para as gerações atuais. Como o médico ressalta, as crianças hoje em dia passam muito tempo confinadas em suas casas, sem atividades ao ar livre, o que abre espaço para o sedentarismo.
Excesso de telas
Se a criança pouco sai, como entretê-la? A saída comum tem sido as telas. Os jovens passam horas a fio assistindo TV e/ ou acessando a internet em seus dispositivos móveis. O pior: muitas vezes isso ocorre sem a devida supervisão, com eles “expostos a todo tipo de veneno e toxicidades, desde a publicidade a golpes e vícios”.
“Esse vício passa pelos vídeos rápidos de 15, 30 segundos que hipnotizam o cérebro. O cérebro fica passivo ali, não trabalha, ele gosta disso. Então, se vicia e a criança pode ficar horas ali naquele marasmo com o cérebro totalmente paralisado, congelado, sem criatividade, sem fantasia, sem pensamento, sem reflexão e, claro, exposto ao consumismo, valores muito negativos, imagem corporal de modelos muito magras”, critica.
Má alimentação
A saúde física também reflete os danos provocados pela vida moderna. Isso é decorrente da alimentação de crianças que ingerem um excesso de alimentos ultraprocessados. “Existe uma conexão cérebro-intestino, então a falta dessa alimentação natural é muito nociva pra infância porque ela torna o microbioma, ou seja, as bactérias que estão no intestino, um microbioma de perfil ruim. Isso altera o humor e as condições cerebrais”, explica o médico.
A conta é para toda sociedade
A boa notícia é que, assim como os problemas já foram identificados, os remédios também. O desafio é que o esforço vai muito além do que os pais podem fazer, pois o trabalho remonta ao que diz o Estatuto da Criança e do Adolescente: o cuidado com eles é responsabilidade da família, sim, mas também do poder público e da sociedade.
Isso recai sobre a realidade nas escolas, cujo modelo educacional entra em cheque pois precisa abarcar a educação digital, promover mais espaços para brincadeiras e trocas ao ar livre e incentivar expressões artísticas. A realidade, em muitas instituições de ensino, são recreios curtos e poucos recursos para atividades extracampo, por exemplo.
Quanto ao estado, as cobranças se voltam para a necessidade de políticas públicas que incluam os jovens na sociedade e propiciem seu desenvolvimento. “Tem que ter urbanismo voltado para as crianças, criar espaços adequados para brincadeira, para recreação, esportes… Tem que fechar ruas para brincarem no fim de semana, construir parques e praças, mantê-as bem acessíveis, iluminadas, seguras, com brinquedos conservados”, elenca Becker.
O objetivo de iniciativas como essas é ocupar os espaços públicos, oferecendo lazer e cultura às famílias. Vale ainda revisar os modelos de vida e trabalho para que esses pais e mães tenham tempo e condições de acompanhar seus filhos. Para o pediatra, esses são os antídotos para as adoecedoras confissões da vida moderna e podem prevenir doenças e distúrbios graves na infância e adolescência.
(Portal Terra)