Por Estadão Conteúdo
“Historicamente, 90% dos brasileiros sem documentação chegavam aos EUA com visto de turista e ficavam no país. Esse era o método de entrada, até porque a probabilidade de se conseguir a legalização assim é maior do que quando se entra pela fronteira e é pego pelos agentes”, explica Gabrielle Oliveira, professora da Faculdade de Educação de Harvard.
Sem o recurso do visto de turista, os brasileiros passaram a explorar rotas ilegais, combinando vias terrestres, aéreas e, em alguns casos, marítimas. Uma das rotas mais bem estabelecidas, segundo o professor Duval Fernandes, da PUC-MG, que há mais de 20 anos estuda o tema, é a mexicana. Nela, o migrante aproveita o fato de o México não exigir visto de entrada para brasileiros, que chegam de avião e tentam a travessia a pé ou cruzando rios.
Este é o trajeto mais estruturado, no qual os coiotes atuam. De acordo com a Polícia Federal brasileira, a atuação deles é mais forte em Minas Gerais e Rondônia — que, segundo Fernandes, fazem parte da mesma rede.
“A rede em Rondônia é a mesma de Governador Valadares, em função dos laços da comunidade mineira no Estado, uma vez que muitas pessoas migraram para lá em projetos agropecuários no passado. Fazendo pesquisa, é comum ouvir relatos de pessoas com parentes que já se mudaram para os EUA, e são de Minas”, disse.Na rede mineira de coiotes, o preço dos “pacotes” é conhecido. Em junho, cobrava-se R$ 40 mil por pessoa na modalidade “sem seguro”, e R$ 80 mil “com seguro” — mesmo preço para famílias (2 adultos e 1 criança). “Com seguro, você dá um valor de entrada e se não conseguir entrar nos EUA, não paga mais nada. Sem seguro independentemente do resultado, você fica com a dívida”, diz Fernandes.
O caminho muda de acordo com o aumento da fiscalização em determinadas áreas e, desde o ano passado, com as regras impostas pela pandemia. A PF afirma que há algumas rotas usadas mais constantemente. Um dos pontos de saída é o Acre, de onde se cruza para países da América do Sul e Central, até chegar ao México. Mas há também rotas que saem do Brasil por via aérea até o Caribe, de onde os migrantes partem rumo aos EUA em barcos.
Com o aumento da fiscalização, surgiram novas formas de cruzar para os EUA. “A intensificação da vigilância começou nos anos 90. Com isso, ficou mais difícil cruzar em San Diego e El Paso, por exemplo, e isso força as pessoas a irem mais para o deserto” explica Adam Isacson, diretor do Washington Office on Latin America (Wola).
Há 16 anos atuando nos EUA, o advogado Walter Santos reúne depoimentos de ex-clientes que entraram no país recorrendo a coiotes. “Não há relatos felizes. Tive um cliente que estava legalizado, mas queria regularizar a mulher. Quando cruzou a fronteira, o irmão foi picado por uma cobra no deserto e morreu. Eles tiveram de deixar o corpo lá, porque não tinha como carregar. Sempre há relatos de abusos, inclusive sexuais, por parte de coiotes, contra mulheres, homens e crianças. Sem contar que o migrante chega aos EUA endividado e tem de trabalhar para pagar o coiote, enquanto a família é alvo de extorsão em seu país”, afirma.
Além disso, a entrada de Biden na presidência levou os migrantes a terem esperança de ficar nos EUA, explica Gabrielle. “O discurso do Biden era de amenizar esse processo com os migrantes de lidar com isso de um jeito mais humano. E como o governo Trump apostou muito em restringir isso, tudo que viesse depois dele seria mais brando.” O afrouxamento não se concretizou.
Quando um migrante cruza a fronteira e se apresenta às autoridades, passa por uma entrevista para identificar se há elementos suficientes para processar o asilo. Como a concessão é a maneira que o migrante tem para regularizar sua situação, as redes de coiotes passaram a oferecer como “parte do serviço” dicas de como enganar as autoridades americanas.
“Muitas pessoas fazem a travessia com uma história pronta, inventada, e se entregam às autoridades na tentativa de obter asilo. Atendi pessoas que chegaram ao escritório alegando sofrer perseguição de gangues, e apresentaram como prova fotos do que seria o irmão morto, degolado. Uma semana depois, outra pessoa me procurou com a mesma história e a mesma foto”, afirmou Santos.
Para os brasileiros, historicamente, é mais difícil obter o status. “Os EUA não classificam o Brasil como país de risco. Geralmente, quando um brasileiro consegue o status é por sofrer violência doméstica ou outro tipo de perseguição”, diz Gabrielle Oliveira.