Se a gente fizesse uma lista dos piores anos da história, 2020 ocuparia uma posição cativa. O ano foi marcado por um vírus que interrompeu a vida de quase 2 milhões de pessoas, o que fez o mundo todo se mobilizar para resolver os problemas causados pela pandemia. E muitas das soluções estavam na tecnologia.
A crise sanitária, a recessão econômica e os desastres políticos estarão nos livros. Mas, enquanto as primeiras doses de vacinas são distribuídas após terem sido desenvolvidas em tempo recorde, nos preparamos para um mundo mais conectado, menos burocrático e mais ágil, que também nasceu nessa época complicada. Aqui, relembramos os cinco acontecimentos tecnológicos mais marcantes de 2020.
1. Tudo se digitalizou: documentos, pagamentos e até medicina
O distanciamento social foi uma das principais recomendações das autoridades de saúde para conter a propagação do coronavírus. Mas como lidar com os processos burocráticos que exigiam ir até um local específico, ficar esperando na fila e voltar para casa sem resolver o problema? Bom, a maioria deles foi digitalizada.
Tudo quanto é documento ganhou ou aprimorou sua versão digital, caso do Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo (CRLV), da Carteira Digital de Trânsito (CDT) e do título de eleitor. A Receita Federal até permitiu tirar o CPF por e-mail, um dos documentos necessários para receber o auxílio emergencial, distribuído para 67 milhões de pessoas para mitigar os impactos econômicos causados pela pandemia.
E como o auxílio emergencial foi distribuído? Enquanto países como os Estados Unidos tiveram que enviar cheques a milhões de pessoas, no Brasil tudo foi depositado em uma poupança digital, acessada pelo aplicativo Caixa Tem. É claro que ele sofreu diversas instabilidades, mas no final das contas funcionou tanto para o auxílio de R$ 600 (depois reduzido para R$ 300) quanto para o FGTS emergencial, também liberado em meio à pandemia.
A inclusão de milhões de pessoas no sistema bancário em um ritmo recorde veio com o lançamento do Pix, sistema de pagamentos instantâneos do Banco Central que funciona 24 horas por dia, em todos os dias do ano, e é gratuito para qualquer pessoa física com conta nas centenas de bancos e fintechs que adotaram a tecnologia.
E, em um ano complicado para a saúde, a telemedicina foi autorizada de forma emergencial, permitindo consultas e orientações médicas a distância. Prescrições eletrônicas para remédios também foram possíveis com o uso de assinaturas digitais. A telemedicina no Brasil ainda funciona em “caráter excepcional e temporário”, de acordo com a portaria do Ministério da Saúde, mas é difícil imaginar um futuro sem ela.
2. Crescimento do streaming e IPTV colocou internet fixa à prova
Todos os avanços supracitados foram possíveis em grande parte devido à internet. Mas tirar documentos, fazer um pagamento ou pegar uma receita médica são tarefas que não exigem muito das conexões. O aumento do consumo de conteúdo por streaming, esse sim, foi o grande desafio para a infraestrutura das redes das operadoras.
Novos serviços de mídia desembarcaram no Brasil, com destaque para o Disney+, que já passa de 86 milhões de assinantes no mundo e ameaça o domínio da Netflix. A TV por assinatura também começou a ir para a internet, sendo que a Claro Box TV, foi o primeiro grande nome no novo modelo. O DirecTV Go chegou logo depois, com ofertas agressivas no lançamento do serviço de IPTV legítimo.
Mas nem todo IPTV é legítimo; na verdade, a tecnologia ficou mais conhecida no Brasil por ser uma alternativa barata à TV por assinatura legalizada. A segunda fase da Operação 404, deflagrada em novembro, derrubou mais de 300 serviços de IPTV pirata, sendo que uma das plataformas tinha faturamento anual de R$ 94,5 milhões. A Receita Federal apreendeu mais de 70 mil TV Box irregulares só no Porto de Santos (SP) entre agosto e dezembro de 2020, conforme levantamento.
Legalizados ou não, todos esses serviços consomem bastante tráfego e mudaram o perfil de uso da internet fixa residencial, que passou a ser demandada em maior intensidade e em horários diferentes de antes da pandemia. A Claro viu as reclamações de clientes quase dobrarem na Anatel, mas o crescimento nas queixas de lentidão e instabilidade nas conexões foi sentido pelas principais operadoras.
3. Logística do varejo online avança pelo Brasil
O comércio fechou as portas para conter o avanço do vírus, o que abriu espaço para o varejo online: o faturamento do e-commerce cresceu 47% no primeiro semestre. A Amazon expandiu suas operações no Brasil e abriu centros de distribuição em Minas Gerais, Distrito Federal e Rio Grande do Sul, que se somaram aos já existentes em São Paulo e Pernambuco para acelerar os envios.
Mas a expansão mais agressiva foi a do Mercado Livre. Em novembro, a empresa anunciou uma frota própria de aviões, batizada de Meli Air, para reduzir o tempo de envio de pacotes. As aeronaves se somam às 600 carretas para transporte rodoviário e 10 mil vans para entregas de última milha da operação logística da companhia, que já promete entregar produtos em dois dias para 80% da população brasileira.
Ao longo de 2021, o Mercado Livre irá operar ao menos sete centros de distribuição no modelo fulfillment, em que os vendedores da plataforma armazenam seus produtos nos galpões da companhia para agilizar a logística. A empresa também planeja ampliar sua frota para expandir as operações de entrega no dia seguinte por meio do Mercado Envios.
E a privatização dos Correios, empresa pública importante para a entrega de encomendas em todo o território nacional, já sinaliza que terá muitos interessados: companhias como UPS, DHL e FedEx, que operam no setor de logística, podem fazer uma oferta pela estatal, mas a lista de possíveis compradores também inclui os varejistas Alibaba, Amazon, Magazine Luiza e Mercado Livre.
4. O começo de uma grande mudança nos PCs
Não é todo ano que uma mudança tão importante é anunciada em eletrônicos: depois de 15 anos, os processadores da Intel estão se despedindo dos Macs para dar espaço aos chips desenvolvidos pela própria Apple. Embora os MacBooks não sejam vendidos em grande volume, eles tendem a influenciar todo o mercado de portáteis — e os primeiros testes do Apple Silicon mostram que esta é, provavelmente, a única novidade em produtos capaz de deixar um legado significativo para os próximos anos.
Os primeiros computadores com Apple Silicon impressionaram tanto pelo desempenho quanto pelo consumo energético: o MacBook Pro de 16 polegadas com Intel Core i9, lançado em 2019 como o notebook mais poderoso da Apple, foi batido pelo novo MacBook Air com Apple M1, que nem sequer possui uma ventoinha. No MacBook Pro de 2020, que traz o mesmo chip baseado em arquitetura ARM, a estimativa de bateria dobrou só com a mudança de processador, para 20 horas.
Problemas que poderiam surgir com uma transição de arquitetura foram atenuados pelo Rosetta 2, tecnologia da Apple que traduz código x86 para ARM no momento da instalação dos aplicativos. Mesmo com a técnica de emulação, o chip Apple M1 em testes single-core foi mais rápido que qualquer outro computador da Apple com processador Intel. Esses testes aumentam as expectativas quanto ao desempenho dos próximos chips, que poderão ter 12, 16 ou até 32 núcleos.
O mercado de PCs com Windows, que experimenta um namoro com a arquitetura ARM desde 2012, quando ainda se falava em Windows 8, deve se acelerar para não ficar no prejuízo. Resta saber qual fabricante conseguirá dar um gás na tarefa, já que o processador mais recente da Qualcomm para smartphones, o Snapdragon 888, ainda nem conseguiu ultrapassar o chip do iPhone 11, lançado um ano antes.
5. Lei Geral de Proteção de Dados entra em vigor no Brasil
Foto: Henrique Pochmann/Tecnoblog / Tecnoblog
Aos trancos e barrancos e competindo com uma pandemia no meio do caminho, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) finalmente passou a vigorar em 18 de setembro. Não é de hoje que se afirma que dados são o novo petróleo e, depois de iniciativas na União Europeia, o Brasil também precisava de uma regulamentação sobre a coleta, tratamento, armazenamento e proteção das informações dos usuários.
Ainda que a aplicação das sanções tenha sido adiada para agosto de 2021, todas as empresas que coletam dados no Brasil precisam seguir as normas da LGPD. A regra mais visível já é notada ao navegar pela web: os sites precisam pedir o consentimento do titular para uso das informações, o que tornou comuns os banners de autorização de coleta de dados em tudo quanto é página. Além disso, as companhias precisam informar e respeitar a finalidade do uso dos dados coletados, o que afeta as farmácias que pedem o CPF para oferecer descontos.
A LGPD também responsabiliza as empresas pela proteção dos dados dos usuários. Até então, vazamentos não precisavam ser comunicados on Brasil, o que fazia muitas empresas esconderem tais ocorrências. É por isso que Yahoo, Dropbox, LinkedIn e outros foram expostos no noticiário de segurança, mas nomes brasileiros raramente apareciam. Quando o serviço de transporte ou o aplicativo de delivery nacionais expuserem seu cartão, eles precisarão vir a público, sob pena de multa de até R$ 50 milhões.
O que esperamos de 2021
O 5G poderia ter começado a emplacar este ano em todo o mundo, mas sua implantação foi adiada porque os governos, as empresas e a população obviamente passaram a ter outras prioridades. O leilão de frequências da Anatel, que pode ficar para o segundo semestre de 2021, é importante para a expansão da tecnologia, que promete não só deixar a internet mais rápida no celular, mas também possibilitar a vinda dos carros autônomos, cidades inteligentes e expansão da internet fixa.
A nova geração de videogames chegou a tempo das festas de fim de ano, mas é a partir de 2021 que deveremos notar os grandes avanços nos jogos, que passarão a aproveitar todo o poder do PlayStation 5 (review) e do Xbox Series X (review). E, claro, também das novas GeForce RTX nos computadores. Talvez os 365 dias também suficientes para consertar games que prometiam muito e estavam quebrados no lançamento.
Entre as gigantes de tecnologia, se 2020 já foi um ano de muita pressão, 2021 não dará trégua. No Brasil, as redes sociais estão na mira da PL das fake news, que está em análise na Câmara dos Deputados. Nos Estados Unidos, o cerco aos CEOs da Amazon, Apple, Facebook e Google deixou claro que as autoridades estão de olho em práticas anticompetitivas. Na União Europeia, o imposto digital sobre as big techs não deve sair das discussões.
Mas o que mais esperamos, claro, é que tudo isso aconteça com uma vacina amplamente disponível para a população.
(Tecnoblog)