• 28 de março de 2024

Em spray, vacina brasileira contra a covid-19 avança e pode chegar em 2021

Um grupo de pesquisa da Faculdade de Medicina e Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP) está animado com o avanço do desenvolvimento de uma vacina brasileira em formato de spray nasal para imunizar as pessoas contra o novo coronavírus. Nos últimos testes, os resultados da fórmula da desenvolvida pela USP em parceria com o Instituto do Coração (InCor) foram positivos. Se tudo correr como planejado, a vacina pode estar disponível já em 2021.

O diferencial da terapia de imunização brasileira em relação a outras vacinas que estão sendo criadas no mundo, como a desenvolvida na Universidade de Oxford, no Reino Unido, ou a produzida pelo laboratório chinês Sinovac, é que a vacina nacional não será aplicada em forma de injeção. Em vez disso, será administrada com o uso de um spray posicionado no interior das narinas. A ideia é permitir uma ação mais rápida do composto imunológico.

“A vacina aplicada por um spray nasal permite a criação dois tipos de anticorpos e não somente aquele criado quando a vacina é administrada por injeção”, explica Marco Antonio Stephano, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP e responsável pelo projeto, em entrevista para a EXAME. Segundo o especialista, a aplicação intranasal permite que a vacina chegue nas vias aéreas superiores e nos pulmões, o que faz com que o sistema imunológico atue já no começo da infecção.

Quando estiver pronta, o que pode acontecer no segundo semestre de 2021, a vacina deverá ser administrada em quatro doses (duas em cada narina) com um intervalo de alguns dias entre as aplicações. Isso permite que o composto de nanopartículas possa permanecer tempo suficiente no organismo do paciente, ao ser acoplado na mucosa nasal, para fortalecer o sistema imunológico no combate ao vírus SARS-CoV-2.

Por enquanto, a vacina brasileira ainda está na fase de testagem pré-clínica. Isso significa que os testes das fases 1 e 2 ainda não começaram. A primeira fase de avaliações clínicas deve ser iniciada até o fim de novembro. Se ocorrer como planejado, a segunda fase seria iniciada entre os meses de janeiro e fevereiro de 2021. A terceira fase viria em seguida. É nesta etapa, quando a vacina é aplicada em milhares de pessoas, que muitos projetos naufragam.

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Num cenário otimista, em que a vacina possa ser aprovada em todos os testes clínicos necessários e receba o parecer positivo dos órgãos de saúde, os pesquisadores esperam que a terapia de imunização desenvolvida no Brasil possa estar pronta em junho do ano que vem. Dessa forma, o spray nasal contra a covid-19 só chegaria para a população após as vacinas injetáveis, que podem ser disponibilizadas no mercado brasileiro já em dezembro.

“O desenvolvimento é um pouco mais lento do que a vacina injetável porque até hoje existem poucas vacinas aplicadas em forma de spray nasal”, diz Stephano. O pesquisador se refere principalmente à FluMist Quadrivalent, vacina produzida pela farmacêutica anglo-sueca AstraZeneca – que é parceira da Universidade de Oxford na produção de um soro contra a covid-19. A FluMist é aplicada por spray nasal e protege contra o vírus influenza.

Vale lembrar que a vacina em formato de spray também foi utilizada para a imunização do vírus H1N1, nos Estados Unidos. Foi em 2009, durante o surto de gripe suína. Na ocasião, o soro foi produzido pela MedImmune, uma unidade da AstraZeneca.

Já as vacinas que estão sendo desenvolvidas para serem injetadas por seringas e que estão na terceira fase de testes ou que até já têm previsão para serem disponibilizadas, como no caso da vacina russa, o processo de formulação é mais simples. A de Oxford, por exemplo, utiliza como base a criação de imunizantes contra a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS) e a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS).

Independência e economia em spray

Há vantagens no uso do spray nasal na administração de imunizantes. “As reações adversas são bem menores do que em vacinas injetáveis”, diz Stephano. Segundo o pesquisador, a reação mais grave que pode ser obtida com o spray nasal é chamada de paralisia de Bell. Quando isso acontece, há uma paralisia dos nervos da face. É considerada uma reação rara, com menos de 150 mil casos por ano no Brasil. O tratamento se dá por fisioterapia.

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Efeitos adversos ainda estão sendo estudados nas vacinas injetáveis contra covid-19. Nos Estados Unidos, Ian Haydon, um voluntário que aceitou participar dos testes farmacêutica Moderna, informou que teve uma reação que o impedia de conseguir levantar o braço. Ele também relatou ter sentido enjoo, registrou febre de 39,4 ºC e chegou a desmaiar. Haydon estava no grupo de participantes que recebeu a dose mais alta da vacina.

Com reações adversas menores, o spray nasal pode ser uma forma menos agressiva de aplicar vacinas do que a seringa injetável. Tanto é que a vacina nasal contra a gripe da AstraZeneca, por exemplo, é elegível para pessoas na faixa etária dos 2 aos 49 anos. Por outro lado, os testes para a vacina contra covid-19 da mesma AstraZeneca estão sendo realizados com a presença crianças de 5 a 12 anos. Também serão realizados testes no Brasil, mas somente com pessoas acima de 18 anos.

O lado financeiro é preciso ser levado em consideração. Segundo Stephano, a produção das quatro doses da vacina aplicada por spray nasal custa algo em torno de 100 reais. É um valor relativamente mais baixo que os 40 dólares (214 reais em conversão direta) estabelecidos como referência para o preço da vacina que está sendo desenvolvida pela farmacêutica americana Pfizer com a empresa alemã BioNTech.

A produção de uma vacina no Brasil é importante para permitir que país tenha não seja dependente de laboratórios internacionais. “Se amanhã houver um rompimento diplomático do Brasil com algum mercado que produza a vacina e um bloqueio ao país, temos uma tecnologia que é desenvolvida nacionalmente”, afirma Stephano. “É preciso ter várias vacinas no mercado.”

Em outra frente, a vacina por spray nasal poderia ser uma saída para enfrentar um problema que surge com a demanda mundial por um soro contra o novo coronavírus: a falta de seringas. No fim de julho, a União Europeia fez o alerta de que “pode haver escassez” nos estoques de seringas, lenços, álcool e outros itens e equipamentos utilizados para a aplicação das vacinas injetáveis.

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No Brasil, a falta de seringas já preocupa a Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos e Odontológicos (Abimo). Segundo o órgão, é preciso que os governos de esferas municipal, estadual e federal se programem para solicitar a compra das seringas. “Seringa não se produz da noite para o dia”, afirmou um porta-voz da entidade. A produção brasileira é de 10 milhões de unidades por mês, mas pode aumentar de acordo com a demanda. Isso, porém, exige um planejamento prévio.

Falta de incentivo

A produção de uma vacina brasileira poderia estar mais avançada. O problema é que, até a parceria com o InCor, faltavam incentivos, principalmente financeiros, para acelerar o processo. Para Stephano, isso é reflexo da crise financeira enfrentada nos últimos anos e que se agravou a partir de 2013. “Quando há problemas econômicos, as áreas de ciência, tecnologia e educação são as primeiras a sofrerem cortes de verbas”, diz.

Um levantamento realizado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência aponta que o orçamento para investir em ciência e tecnologia no Brasil era de 4,7 bilhões de reais. O valor, que desconta recursos já comprometidos com encargos trabalhistas e despesas obrigatórias, é 38% menor do que disponibilizado em 2019. O físico Ildeu Moreira, presidente da SBPC, mostrou preocupação. “A situação não é nada animadora. Temos um quadro muito difícil pela frente”, afirmou, em dezembro de 2019.

Stephano cobrou maior participação dos governos estaduais. A crítica maior foi para o governo paulista, que atua por meio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de S. Paulo (Fapesp). Procurada, a Fapesp informou que está apoiando três projetos para o desenvolvimento de vacinas brasileiras contra o coronavírus. Um deles, inclusive, é da própria Faculdade de Medicina da USP. Em junho, a pesquisa entrou em fase pré-clínica de testes com camundongos.

(Portal Exame)

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